Hoje este blogue irá abordar um tipo de jogo diferente. Quando duas pessoas sentam numa mesa para negociar uma questão (que pode ser desde o destino de férias até uma proposição de negócios), algumas técnicas de jogos mentais são — ainda que instintivamente — aplicadas.
John Nash, conhecido pelo filme Uma Mente Brilhante, formulou um algoritmo de disputas depois chamado de Teoria de Equilíbrio de Nash. Resumindo em termos “humanos”, esta teoria parte do pressuposto que, se todos correm para um mesmo objetivo, ninguém consegue o resultado.
Claro que este modelo é baseado em pressupostos que nem sempre — na verdade, raramente — existem numa disputa de negociação. Pressupõe-se que todos tenham todas as informações da disputa, há igualdade de forças entre os elementos e o objetivo seja o mesmo para todos.
Numa mesa de negociação de um contrato de serviços, as condições variam muito. Nem todos podem ter todas as informações da disputa (um profissional pode estar negociando um aumento de salário enquanto o chefe já sabe que ele será dispensado nos próximos meses); as relações de força normalmente são variáveis (uma empresa quer vender um serviço para a outra, só que o nível de disputa pode ser alto demais; mais jogadores podem brigar por preço ou SLA para a empresa contratante); e os objetivos podem diferir (numa paquera, uma pessoa pode realmente estar interessada na outra para construir uma relação de longo prazo, a outra quer apenas diversão para uma noite).
Todos esses modelos — por mais inusitados que pareçam — são exemplos do limite da teoria de equilíbrio. Tanto que hoje já se fala de Teoria Dinâmica dos Jogos, mas não vamos contaminar esse texto com matematiquês estatístico. O que interessa é observar as dinâmicas de negociação e o quanto elas parecem com um jogo, digamos, de tabuleiro (de novo, por incrível que pareça).
Dois jogadores oferecem uma situação e ambos têm uma quantidade, digamos assim, de poder. A situação pode ter alguns resultados possíveis: uma das partes abre mão totalmente de seu poder (aceita completamente as condições propostas pela outra parte, mesmo sabendo que não receberá vantagem alguma); ambas as partes ficam insatisfeitas com o resultado da negociação, mas entendem ser o melhor resultado possível naquele momento (negociações políticas andam nesse campo); e ambas as partes ficam felizes e entendem que o acordo fará com que ambas cresçam e aumente seu poder.
O uso de “poder” não é metafórico, mas é filosoficamente complexo e deixaria provavelmente a pessoa leitora bem entediada (aliás, se quiserem que esse blogue escreva sobre isso sob a ótica, comentem!!!). Pode ser lido como “força” se assim preferir. Funciona para fins deste texto.
O modelo de Nash que, de novo, é intuitivo e usado inconscientemente, é de alguém sair “ganhando” na negociação. É chamado de “jogo de soma zero”. Ambos os lados detêm um quantum de poder somado e alguém ficará com mais do que o outro. A famosa “parte do Leão”. Por conta desse modelo, muitos negociadores buscam sempre “levar vantagem” nas disputas. Partem do pressuposto que haverá um vencedor (“winner”) e um perdedor (“loser”). Isto está tão enraizado em algumas culturas que perdedor passa a ser uma ofensa generalizada, mesmo para quem não quer competir. Mas a pessoa leitora já observou a correlação como jogos tradicionais, correto?
Mas aí o rio faz a curva. As relações são dificilmente de soma-zero. Num namoro, ambas as partes geram prazer para si e constroem algo juntos, coisas que talvez não conseguissem fazer por si. Histórias de casal, no mínimo. Uma comunidade que se reúne para criar e cuidar dos filhos de todos, garante um nível de sucesso maior que casais criando-os em dupla. Há o famoso ditado estadunidense “it takes a village to raise a child”. E a civilização inteira foi construída colaborativamente. Não existe isso de sucesso por conta própria. O self-made man teve bastante ajuda dos outros para chegar lá.
Seja lá o que isso significa.
Por conta da cultura de vencedores versus perdedores, que ignora as relações serem de ser soma-não-zero, os jogos de negociação tendem a ser agressivos, especialmente os corporativos, onde metas de resultados muitas vezes dependem de margens — financeiras ou de SLAs — estreitas e difíceis de serem cedidas. Um dia de entrega numa empresa de e-commerce pode ser a grande diferença desta perante os concorrentes (mesmo que o consumidor não precise dessa urgência). Fico imaginando como foi a elaboração dessa negociação na área de supply chain. Em treinamentos de venda, costuma-se juntar os funcionários no fim do processo e gritar a plenos pulmões palavras de ordem. AH-UH!
É…
Voltando, as negociações são efetivamente de soma não-zero. Uma empresa que até aceita uma margem menor pode fortalecer a relação com seu fornecedor, fazendo que este esteja mais apto a dar atenção, prioridade e a sair do modelo de entrega, por exemplo. Um sindicato que negocia o dissídio com o patronato pode aceitar um percentual menor de reajuste em troca de um bônus para toda a categoria, ou um aumento de vale-refeição ou melhoria de plano de saúde. O patronato, por sua vez, diminui o turnover de seus funcionários, pois estes percebem na prática os benefícios de trabalhar naquela empresa.
Mas como sair do jogo agressivo de negociação para um jogo colaborativo?
Uma das formas é a adoção de uma linguagem não-violenta nas relações corporativas (e na cotidiana também, vai…) para mitigar o nível de atrito e expor melhor as necessidades de cada parte, analisar os benefícios da disputa ou regular os esforços mútuos sem imposição. É quase um anti-jogo clássico. Abre-se mão de papéis de disputa e passa-se a desenhar cenários colaborativos.
Esta postura não significa, absolutamente, acatar todos os desejos e necessidades das partes negociadas. Parte da CNV (Comunicação Não-Violenta) sai do pressuposto que SUAS necessidades também precisam ser escutadas, atendidas e resolvidas se possível, mas construindo um modelo de relacionamento propositivo e contínuo.
Num relacionamento afetivo, as pessoas envolvidas negociam regularmente as decisões coletivas (também as individuais, mas em certos tipos de relacionamentos). O entendimento é que aquele conjunto de pessoas preserva o melhor daquele encontro o maior tempo possível, gerando a maior qualidade de tempo, esforço e resultado que aquela combinação pode oferecer. O grupo que se reúne todas as quartas-feiras para jogar futebol, mesmo com o calor da disputa do jogo, precisa assumir que uma falta não apenas tirará o colega de jogo, mas irá machucar um colega que precisará trabalhar no dia seguinte. Uma pessoa que resolve “esquecer a carteira” toda vez que sai com os amigos para jantar fora ou beber aquele chope moleque, aquele frango a passarinho de várzea, poderá ser “esquecido” da próxima vez que a galera combinar o evento. Ele perde porque não verá os amigos, os amigos perdem porque a pessoa não irá contribuir com suas histórias e nem criará novas.
Particularmente, esse blogue gosta de negociações de “cartas abertas” onde os negociadores já apresentam suas necessidades, objetivos e expectativas daquele processo. Em uma negociação com um fornecedor de conteúdos digitais com uma grande empresa de telecomunicações, uma pessoa analista de negócios famosa por adotar essa técnica, começava apresentando todos os custos envolvidos numa nova prestação de serviço ou parceria, a expectativa de retorno de um negócio análogo ao que era apresentado e uma “conta de padeiro”, feita na hora, da expectativa de retorno para a outra parte. Terminava perguntando: “isto faz sentido para você?”
Às vezes fazia porque o objetivo não era apenas um faturamento, mas um aumento de clientes importantes no seu portfólio. Ou porque o serviço digital permite um escalonamento tal que, mesmo numa margem menor, a médio prazo o negócio seria lucrativo. Essas visões eram expostas e acordadas antes do contrato ser firmado.
Mas o que os jogos refletem isso, objetivamente? E como eles podem ajudar a melhorar as negociações dentro de nossas empresas?
Bom, existem várias formas de se aplicar modelos de treinamento lúdico para estimular tanto a CNV quanto o modelo “soma-zero”.
Há jogos que apresentam desafios que só com a colaboração de todos numa equipe fazem com que o problema seja resolvido. Esse é o tipo de jogo ou dinâmica apresentada em eventos de alinhamento de times. Alguns jogos de mercado (aqueles que a gente compra para jogar com a família) usam a mesma estrutura colaborativa. Pandemic e Zombicide são os exemplos bem conhecidos desse modelo. Cabe aqui destacar um ponto. Nos eventos corporativos, muitas vezes se confunde cooperação em times (que competem entre si) com cooperação por um objetivo comum. Mistura-se o conceito de negociação coletiva com o de “time vencedor”.
Outra aplicação de jogos cooperativos são aqueles que simulam situações da realidade. Este blog já participou de treinamentos de gestão ágil onde, mesmo tendo times diversos, era fundamental a troca de informações entre eles, apresentar necessidades e resultados previstos de cada time e, nos times, priorizar o que deveria ser feito cooperativamente. Ou seja, a divisão de times servia para criar diversas pontas de lança para o objetivo comum. Normalmente, desenhar u m website com diversas funções e necessidades. Nada diferente do que este blog já fez profissionalmente.
Ufa.
Há muito mais para dizer sobre esse assunto (é uma das especialidades deste blogue), mas creio que a pessoa leitora tenha dificilmente chegado até aqui. Se chegastes, agradeço!